quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Número 1

Como quando eu acordo de manhã e, logo ao iniciar a via-crúcis que me leva ao trabalho, religiosamente vejo, ainda na rua de minha casa, aquele velho já fumando seu cigarro, pão fresco levado debaixo do braço, seu cão seguindo-o preguiçosamente. Como quando eu passo por aquela casa de portão estreito e verde, e percebo um belo dálmata tristemente estático. Como quando, apenas alguns passos depois, eu tomo o ônibus lotado e sinto aquelas pessoas cabisbaixas, olhos fechados; se dormiam, não posso afirmar com certeza, mas pretendiam esquecer por mais alguns minutos, isso eu sei. Como quando, depois do ônibus lotado, vem o trem mais lotado ainda, que se torna impossível evitar o forte cheiro que já emana daqueles corpos acostumados a exalarem o cheiro de trabalho duro; e lá também todos com as cabeças baixas, música clássica ao fundo, evitando qualquer toque, qualquer olhar; também querem esquecer, eu sei. Como quando, já trabalhando, vou à Praça da Sé e vejo seus loucos e executivos, mendigos e putas, estas normalmente concentradas em determinados pontos. Como quando eu encontro, na saída do fórum central, aquele mesmo homem, paletó, calças e gravata totalmente rotos, até uma pasta de couro ele tem, pretendendo-se um advogado, tentando lá entrar; bêbado, sempre gesticulava como um doutor, falando sem voz, sem nada dizer, caricatamente real. Por fim, como quando me dou conta de tudo isso, dia após dia, e já é noite. Já é hora de esquecer.

Um comentário:

bernardo.vianna disse...

tb gosto de fazer esses retratos, é um exercício muito legal... algum motivo especial para a grafia "quotidiano"?