domingo, 28 de outubro de 2007

AS ARANHAS INVISÍVEIS



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Incansáveis aranhas incessantemente arrumando o espaço virtual. Constroem com números elétricos a ruína das fronteiras e uma teia. Atualizam dados sem que seja preciso dedos humanos. Invisíveis aranhas existem e são tão reais quanto as outras.

Criadas pelo homem para servi-lo. Existem também aranhas como estas fora do espaço virtual. Pequeninas aranhas de metal surfando minha carne. Essas safadinhas sobem e descem o meu corpo a noite toda. O tempo todo, sem cessar.


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Nanorobôs são maquinas microscópicas usadas dentro do corpo humano para curar doenças e ferimentos. Viajam pela corrente sangüínea. Se fossem inventados poderiam mudar em muito a medicina.

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As maquininhas estão em mim faz uns três anos. Não me lembro da operação, por causa da anestesia. Não sei se sou o único que teve nanorobôs implantados no corpo. Já faz um tempo que eu não sei muitas coisas. Não tenho certeza de nada.

Foi esta invenção que salvou minha vida eu admito. Eu tinha uma doença incurável e fatal. Hoje estou bem. Desde o implante eu sou mais sadio. Conseguia trabalhar mais horas, correr mais tempo e dormir menos. Eu estava virando uma pessoa melhor.

As aranhas de metal também podem afetar minhas glândulas. Começaram estimulando a minha sensação de prazer. Eu senti ondas de prazer atravessando meu corpo. Eram elas, as aranhas. Isso foi pouco antes de começarem os sonhos.

Comecei a sonhar com aranhas de metal. Num dos sonhos eu transava com uma gigantesca aranha de metal. No final da transa ela me devorava. Acordei suando e fiquei acordado até acabar a madrugada, esperando o dia nascer.

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IAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAaaahhhhhhhhh!!!!! UUUUUUUUUUUUUUUUOOOOOOOOOAAAAAAAAAA nãonaõanãonãonão...

NANOnanonãonananonãonanonãoNÃO Não serei reescrito! Não serei reescrito! NanoNANONANOOOOOOOOOOOOHHHHHHHH!!! IIEEEEAAAARRRGH!

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Tem uma lembrança de infância que sempre me faz sentir feliz. Minha família tinha um sítio. Uma noite a natureza expôs uma estranha luta entre um sapo-boi e uma aranha caranguejeira. Eles lutaram um bom tempo e ficamos todos observando.

Na minha lembrança a aranha assustava o sapo e o colocava para correr. Esse evento me lembra de como a natureza é selvagem, mas nem sempre mortal. A natureza sempre me faz sentir melhor. Até quando eu simplesmente penso nela.

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Tempo perdido... Como se perde tempo? Pelo buraco dos bolsos não é. Talvez percamos tempo quando perdemos o relógio ou quando nos atrasamos... Se viver é simplesmente viver até o dia em que se morre, então não há como perder tempo. Mas se existe alguma busca, o tempo pode ser perdido na urgência de se viver. Ou perdido pela urgência de alguma busca?

Eu não sabia o que buscar mesmo. Não tinha por que me preocupar em perder tempo. Só perde tempo quem quer chegar a algum lugar. Eu sempre quis ficar do jeito que estava. Hoje eu quero. Eu quero chegar a algum lugar. Eu sinto a fome por buscar. Meus instintos primitivos me dizem para buscar, buscar, buscar. Instintos nômades, acostumados a escassez e mudanças.

As estações, as secas e o fim de todo fruto e todo bicho era a vida urgente que se tinha para viver. Se eu parar, dizem os meus instintos, morro. Sim, eu busco. Buscamos todos não é mesmo? Podemos buscar muitas coisas. Eu, por exemplo, já procurei um amor perfeito e total. Mas procurava da forma errada. Eu procurava com os olhos fechados quando devia procurar de olhos bem abertos.

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O fim está próximo. Eu sinto nos meus ossos. Sinto o fim se aproximando no vento suave e nas pandemias recentes. Eu sei também que meu fim está próximo... Quem eu sou está desaparecendo e não sei quem vai tomar meu lugar. Estou mudando, pouco a pouco. Transformo-me, a cada dia de passa, em outro.

São as aranhas! Elas estão nos meus sonhos e são responsáveis pelas minhas amnésias, cada vez mais freqüentes. Utilizam meu tempo para avançar seus esquemas. O plano delas é bem maquiavélico: tomar conta de mim. Tomar tudo; mente e corpo. As aranhas invisíveis querem sugar minha alma! MAS EU NÃO SEREI REESCRITO!

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Começo a descer pela caverna. Levo luz mais pra dentro, pra dentro da caverna sombria. É muito profunda e nada silenciosa. Já me aventurei por ela que é a minha única casa, mas nunca tão profundamente. Esta caverna fica na minha mente.

Minha cabeça tem uma parte sombria desconhecida por mim. Uma caverna profunda onde luz nenhuma foi. Eu mesmo vou. Em silêncio vou. Pé ante pé eu vou. Devagar... Não devo assustar a fera que mora nesta caverna. Esta fera é minha.

Vejo-me refletido num lago subterrâneo. Sou um duende voltando pra casa. É na maior profundeza, a minha casa. Lá é a minha paz, eu sei. Quando foi que escapei da escuridão e arrastei-me pra luz da superfície? Não me lembro.

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Foi depois de um sonho que tive minha resposta. O sonho propriamente não me deu as soluções para meus problemas, mas eu senti que uma revelação estava por acontecer. Foi exatamente assim que me livrei da minha prisão. Um sapo me salvaria da teia de aranhas.

Neste dia conheci um índio do qual nunca me esqueceria. Carlos Yawabané, índio da tribo caxinauá e neto do respeitado pajé Sueiro. Carlos tinha saído do Acre havia muitos anos; veio para a metrópole com a missão de mostrar para o homem branco os mistérios do povo indígena e os poderes da floresta amazônica.

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Kambô é o nome mais conhecido da espécie Phylomedusa bicolor. A secreção desta rã costuma curar doenças e reforçar o sistema imunológico de índios da Amazônia e do Acre. Aplicada como uma vacina de braço com alfinetadas de um cipó em brasa, o kambô também tem sido difundido por índios nas metrópoles.

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Fico imóvel olhando pro líquido no chão antes de me lembrar que é o meu vômito. Eu vomitei depois do jovem pajé aplicar-me um remédio indígena. Enquanto eu vou pensando continuo olhando pro vômito; parece brilhar... Eu vejo pequenas aranhas de metal nadando no líquido, morrendo fora de seu habitat natural: meu corpo.

Devo ter ficado muito tempo parado, pois eu senti um enorme lapso temporal. Assim como se toda minha existência se resumisse ao antes e depois daquele momento. Quem eu era não estava mais ali. Eu sou outro, novo e quem eu estava para me tornar através da inevitável transformação do meu ser causada pelas nanomáquinas que subiam e desciam o meu corpo, à noite, todo o tempo, também não mais existia.

Um comentário:

bernardo.vianna disse...

Este blog está infestado de artrópodes!!!!!